terça-feira, 31 de maio de 2016
Sempre
Me debruço na sacada, ignorando as constantes advertências de minha mãe de quando morava com ela: "Não se debruce assim, menino" Vai cair desse jeito!" Sinceramente? Não me importo. E daí se eu cair? Moro no terceiro andar; sobrevivo. E se não sobreviver, e daí? Esse mundo não tem graça. Quem sabe a Morte não divirta as coisas um pouco?
Olho o horizonte. Prédios, prédios e mais prédios. Nenhum campo aberto para jogar bola, empinar pipa ou andar de carrinho de Rolimã, como meu pai dizia fazer quando menino. Quem me dera ter tido uma infância assim...
Volto a me debruçar, e olho para baixo. Observo o homem que passa do outro lado da rua. Ele sempre passa aqui nesse horário, 19h58. Ele é bem gordo, e usa roupas formais. Seu andar é rígido, com os braços retos ao lado do corpo, indo para frente e para trás, as mãos levemente fechadas, e os passos largos, duros, e certeiros, como se marchasse.
Já o perdi de vista, o que significa que são 18h. E por isso, olho o prédio da frente, em uma das janelas do quarto andar, que sempre está aberta.
Fico olhando, esperando. E... pronto. Lá está ela, andando por seu quanto. Seu corpo tão belo. Os seios salientes, pernas e braços finos, porém firmes. Anda até o armário, e pega uma camisola. Dessa vez é rosa.
Então, ela sai do campo de vista que tenho pela janela, o que significa que acabou meu "tempo de descanso".
Saio da sacada, o que deixaria minha mãe aliviada, e volto aos estudos da da faculdade.
Sim... esse mundo é muito sem graça.
Caminho
Eu andava por aí. Sem onde ir, sem o que fazer. Não sabia de nada; Não entendia.
Eu andava, e andava. Andava, e pensava. Pensava em tudo, e em nada. Pensava em por que o mundo é assim. Pensava em qual era o sentido daquilo, de viver. Por que não sabia. E ainda não sei.
Eu andava, e via as pessoas na rua. Uma mulher levando uma menina, as duas de mãos dadas, andando como eu. Será que elas tinham onde ir? Será que sabem o sentido? Não acho que alguém saiba...
Andei mais, e passado alguns minutos, passei por duas pessoas. Elas dançavam.Pareciam melancólicas. Fiquei imaginando o sentido da melancolia. Imaginei vários, mas nunca soube ao certo qual era.
Passei por outras pessoas, mas acho desnecessário falar delas. Nenhuma me chamou atenção; e ninguém reparou em mim. Eu entendo isso; Afinal, para que reparar em um menino encolhido, andando sem destino com as mãos enfiadas nos bolsos?
Esse menino, que apesar de tão novo, se questiona tanto, e já não entende para que isso.
Questiona o sentido de acordar. De comer. Falar. Chorar. Dormir. Sorrir.
Eu andava. E andando, pensava. Pensava em tudo, e em nada. Pensava no sentido de tudo aquilo. No sentido de viver. No sentido de andar.
quarta-feira, 11 de maio de 2016
Quadradinho e Olhos Tristes
Quadradinho e Olhos Tristes
Uma e vinte e nove da manhã: as luzes na rua iluminam o caminho de poucos carros que passeiam por elas;
Uma e trinta: um menino volta para casa depois de carregar um monte de móveis pesados, com poucas moedas no bolso, e o estômago roncando, vazio;
Uma e quarenta e um: no bar da esquina, homens bêbados jogam sinuca;
Uma e cinquenta e nove: uma menina, na balada, dança e faz quadradinho, tentando esquecer de seus problemas;
Duas da manhã: um homem na balada observa a menina e seu quadril, sem reparar em seus olhos tristes de alguém que fugiu de casa;
Duas e vinte e seis: o homem chega na menina e começa a dançar com ela, e a menina o despensa;
Duas e quarente e oito: a menina bebe seu último drink da noite, saindo da balada, com o corpo dolorido e a maquiagem borrada;
Três da manhã: a menina que quer fazer artes e não Medicina anda descalça pelo Viaduto do Chá, com os saltos altos na mão;
Três e dezessete: a menina chega na casa da amiga com quem está morando;
Três e vinte e dois: a menina finalmente acha a chave do portão;
Três e vinte e quatro: as mãos da menina são seguradas a força para trás, e uma mão grande e aspera tampa sua boca;
Três e vinte e cinco: no portão da casa da amiga da menina, apenas a chave na fechadura semi-aberta, e os saltos jogados no chão;
Três e quarenta: em algum lugar perto do Viaduto do Chá, uma menina que quase ninguém sabe o nome é fortemente violentada;
Três e cinquenta: o homem, satisfeito, deixa a menina que sabia fazer quadradinho em um canto no Viaduto do Chá;
Três e cinquenta e cinco: a menina, encolhida e machucada, chora;
É, menina dos olhos tristes, esse mundo está apodrecido;
Três e cinquenta e sete: a menina que quase ninguém sabe o nome reza pelas outras garotas e mulheres do mundo;
Três e cinquenta e nove: a menina que sabe fazer quadradinho agradece por ter sido ela, não queria aquilo para ninguém;
Quatro da manhã: a menina que fugiu de casa, com os olhos tristes e cansados adormece em algum canto do Viaduto do Chá;
Sim, o mundo está apodrecido; e poderia ser qualquer uma.
terça-feira, 10 de maio de 2016
Luz da Lua
O casaco na cadeira vira um tentáculo; o boneco do Woody um cowboy assassino; os sapatos que brilham no escuro os olhos de um monstro.
E você, assustado com aquelas transformações horripilantes, corre para a cama de seus pais, onde tudo se acalma, e fica bem; Afinal, seus pais estão ali, e nenhum monstro com tentáculos, olhos brilhantes, ou um cowboy assassino pode te fazer mal no aconchego de suas cobertas.
Mas aí você vai crescendo, e isso passa. Isso é um defeito no crescimento; a gente cresce, e em ao em vez de nossas ideias crescerem também, elas diminuem com nossa imaginação.
Mas isso ainda acontece comigo. Nas paredes, que um dia foram rosa claro, em volta de minha cama, eu coloco desenhos. No total são 35 desenhos. Alguns bem coloridos, e outros mais escuros; alguns alegres, e outros sombrios; o "clima" do desenho geralmente transmite oque estou sentindo.
Quando fiquei internada no hospital, por exemplo, desenhei uma mulher nua, suja, com os cabelos mal cuidados e acorrentada. Um dia que estava mais alegre, fiz uma coruja azul de olhos grandes e reluzentes.
Mas de noite, os desenhos mudam. Mesmo os mais alegres ficam sombrios, e as cores ficam fracas. Embora devesse ser mais triste, eu gosto disso. Do escuro, e das mudanças que ele faz.
No escuro tudo fica mais amplo, misterioso, sombrio, cheio de expectativas. De noite, mil ideias em mente; sua criatividade amplia à luz da Lua.
Mas não se deixe enganar pelas estrelas; nunca tome decisões na noite sombria, misteriosa, e cheia de expectativas. Deixe a luz do Sol clarear suas ideias. Pois mesmo criativas, elas são todas influenciadas pelas mudanças da noite.
domingo, 8 de maio de 2016
Crise Existencial
As coisas são vazias e sem sentido, sabe? Não me enxergo, não sei quem eu sou: a muito tempo virei outra pessoa, e não me contei.
Sabe aquele anel do Bilbo, de "O Hobbit"? Eu tenho um desses, foi 12 reais na Liberdade. Uso ele sempre, e sempre acontece de eu me decepcionar, pois não fiquei invisível, e não poderia fugir sem ser notada.
Já pensei nisso, essa história de fugir; Quem sabe em outro lugar as coisas sejam mais preenchidas, e façam mais sentido? Bem, eu não sei.
Ainda estou aqui; uma menina deitada em sua cama sem conseguir dormir; com as luzes todas apagadas, com todos os bichinhos de pelúcia na cama, e a gata que ronrona em cima de sua barriga - essa sou eu - uma menina com lágrimas de sabe-se lá que sentimento escorrendo pelas bochechas;
Uma menina que quer ler, ler, ler, e por um passe de mágica entrar dentro do livro, onde tudo é ficção e faz mais sentido.
Uma menina que sonha acordada, e que acorda sonhando.
Uma menina que não sabe o que quer, que já pensou em morrer.
Uma menina que sente que não sabe de nada, e que talvez nunca soube;
Mas alguém sabe?