quarta-feira, 11 de maio de 2016

Quadradinho e Olhos Tristes

      Quadradinho e Olhos Tristes

  Uma e vinte e nove da manhã: as luzes na rua iluminam o caminho de poucos carros que passeiam por elas;
     Uma e trinta: um menino volta para casa depois de carregar um monte de móveis pesados, com poucas moedas no bolso, e o estômago roncando, vazio;
     Uma e quarenta e um: no bar da esquina, homens bêbados jogam sinuca;
     Uma e cinquenta e nove: uma menina, na balada, dança e faz quadradinho, tentando esquecer de seus problemas;
     Duas da manhã: um homem na balada observa a menina e seu quadril, sem reparar em seus olhos tristes de alguém que fugiu de casa;
     Duas e vinte e seis: o homem chega na menina e começa a dançar com ela, e a menina o despensa;
      Duas e quarente e oito: a menina bebe seu último drink da noite, saindo da balada, com o corpo dolorido e a maquiagem borrada;
     Três da manhã: a menina que quer fazer artes e não Medicina anda descalça pelo Viaduto do Chá, com os saltos altos na mão;
     Três e dezessete: a menina chega na casa da amiga com quem está morando;
      Três e vinte e dois: a menina finalmente acha a chave do portão;
     Três e vinte e quatro: as mãos da menina são seguradas a força para trás, e uma mão grande e aspera tampa sua boca;
     Três e vinte e cinco: no portão da casa da amiga da menina, apenas a chave na fechadura semi-aberta, e os saltos jogados no chão;
     Três e quarenta: em algum lugar perto do Viaduto do Chá, uma menina que quase ninguém sabe o nome é fortemente violentada;
     Três e cinquenta: o homem, satisfeito, deixa a menina que sabia fazer quadradinho em um canto no Viaduto do Chá;
     Três e cinquenta e cinco: a menina, encolhida e machucada, chora;
     É, menina dos olhos tristes, esse mundo está apodrecido;
     Três e cinquenta e sete: a menina que quase ninguém sabe o nome reza pelas outras garotas e mulheres do mundo;
     Três e cinquenta e nove: a menina que sabe fazer quadradinho agradece por ter sido ela, não queria aquilo para ninguém;
     Quatro da manhã: a menina que fugiu de casa, com os olhos tristes e cansados adormece em algum canto do Viaduto do Chá;
    Sim, o mundo está apodrecido; e poderia ser qualquer uma.

Um comentário:

  1. eu adoro essa crônica sua (como todas as outras), eu gosto deste tom mais sombrio, lírico... essa crônica é bem pesada, mas gosto dela, essa forma dos horários que você usou na construção, então acho bem boa, e aprofundada.

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