sábado, 23 de abril de 2016

Nomes

Nomes

     A questão seguinte, imagino eu, é uma na qual qualquer mãe, pai, tio, avós, irmãos que futuramente serão mais velhos já se deparou. A mulher está gravida. Sempre a mulher. A mulher que tem a menstruação por conta da ovulação que não teve fecundação. A mulher que tem aquela horrível dor chamada “cólica menstrual”. A mulher que fica com a barriga arredondada e carrega a criança, que chuta lá dentro, por todo canto. A mulher que, se o homem vai embora, fica com a criança. Então, digo: “sem útero, sem opinião”.
     Mas, bem, estou desviando do assunto. Afinal, você já deve estar pensando “o que tudo isso tem a ver com 'nomes'?” Pois é o que viu no título: “nomes”. Vou dizer o que tem a ver: nada. Então, retomamos.
     A mulher está gravida. Teve a transa. A ovulação. A fecundação. As contrações. Dores. Os primeiros chutes. As pessoas que falavam com sua barriga. Tudo. Falta mais ou menos um mês para o bebê nascer. Já se sabe qual é o sexo dele, tem quarto, berço, fraldas, roupas, tudo. E o tempo passa, e essa questão ainda fica na mente dos pais, que procuram por toda a parte ajuda. Pedem opinião para os futuros avós, filhos que já tiveram, irmãos, primos, amigos, e até para o vizinho. Qual vai ser o nome da criança?
     Já pensaram em milhões de nomes, antes mesmo até de saberem se a mulher realmente estava grávida. Imaginavam qual seria o nome de seu filho quando tivessem um, antes mesmo de se conhecerem. Pensavam em mil alternativas: Luana, João, Carlos, Alfredo, Mirela, Victoria, Manuel, Miguel, Pedro, Joana, Joaquim, Cecilia, Cláudio, Jaime, Marta, Pietro, Madelena... mas nenhum parece bom agora. Ou é o nome que seu pai tinha, e você não quer que o filho tem o mesmo nome do avô. Ou é o nome daquela antiga amiga que te ofendeu, então não. Ou é um nome que você acha lindo, como Anastácia... mas é o nome de uma das “irmãs malvadas” da Cinderela.
     As pessoas dizem que nome tem idade. Afinal, você daria o nome “Wilson” para o seu filho? Não é nome para criança, é nome de adulto, não é mesmo?
     Nada resolve sua questão.
     Pois afinal... qual vai ser o nome do bebê?

PS: Nasceu, o nome é Ormenzindo

terça-feira, 19 de abril de 2016

Três da Manhã

Três da Manhã 

     Aquele momento, as três da manhã, que você acorda lembrando de uma palavra que queria ter dito em uma conversa as quatro horas da tarde.
     Está em um sono tranquilo, e de repente acorda gritando: “MISANTROPIA!!” Depois se encolhe e faz silêncio, com medo de ter acordado alguém. Percebe que não acordou a ninguém, então senta e se põe a pensar. “Misantropia! Lembrei!”
     “Mas... em que contexto eu queria usar essa palavra mesmo?” Você não lembra. “Discussão da aula?” não.“Aconselhando um amigo que levou um fora?” também não. “Explicando um filme que vai entrar em cartaz?” Hm... acho que não.
    Então começa a pensar com quem estava. A Ritinha? Túlio?? Pedro? Ju? Maria? Felipe? Sofia? O Ro? Lulu? Não sabe. Será que foi com seu irmão? Ou sua prima?
     Afinal... o que significa “misantropia” mesmo?
     No fim, você acaba cansando. Deita, vira para o outro lado, e tenta voltar a dormir.
     Mas seus sonhos são todos perturbados pela tal palavra, “misantropia”.

Ingenuidade de Criança

Ingenuidade de Criança

     Vi um menino na rua. Ele deveria ser um pouco mais velho que eu. Uns 7 anos talvez. Não sei.
Era bem magro, e tinha a pele morena e meio suja de preto em alguns lugares, como poeira, ou algo do tipo. Usava uma camiseta branca amassada e manchada em vários lugares, e bermuda azul com um rasgo no joelho, e desgastada nas barras.
     Quando o sinal ficou vermelho e a mamãe teve que parar o carro, o menino foi lá na frente e ficou fazendo malabarismo com 4 bolas de tênis. Me inclinei para o banco da frente pra ver ele melhor. Era muito legal! As vezes ele fazia a bola ir no pescoço dele, e ai ela quicava, e ele pegava de novo, não derrubou uma só bola uma única vez.
     Perguntei pra mamãe quem era esse menino, e se ele podia me ensinar a fazer isso um outro dia, ou até hoje mais tarde, quando eu voltasse da escola. Ela falou que achava que não daria, e que provavelmente eu não iria mais ver esse menino de novo. Perguntei então se ela não podia pegar o telefone da casa dele com a mãe dele, que nem faz com os meus amigos na escola, mas ela falou que não, e perguntou se eu estava vendo a mãe dele em algum lugar.
     Comecei a olhar em volta, e reparei que não mesmo. Onde a mãe do menino estava? Fiquei procurando, e levei um susto quando o menino apareceu na janela aberta da mamãe. Ela deu umas moedas pra ele, e perguntou se eu tinha algum biscoito. Fiz que sim com a cabeça e peguei o mais rápido que pude um pacotinho de biscoito de chocolate na minha lancheira. “Mas tá meio amassado...” falei me debruçando por traz do banco da mamãe pra dar para o menino. Ele disse que não tinha importância, e “Deus te abençoe” antes de sair da janela.
     O sinal abriu, e voltei a sentar no banco. Abri a janela de trás e gritei pra ele “queria que você me ensinasse a fazer isso depois!! Foi muito legal!!” Mas acho que ele não ouviu. Já estava comendo o biscoito de chocolate que tinha dado pra ele, e deu um pedaço para uma menina mais alta que ele. Então mamãe fez uma curva, e não consegui mais ver os dois.
     Fiquei meio triste, nem consegui falar com ele direito. Perguntei pra mamãe por que ela tinha dado moedas pra ele, e se ele trabalhava em algum circo. Ela disse que as moedas foram para agradecer a ele por fazer malabarismo pra gente, mas que provavelmente ele não trabalhava em nenhum circo. “Que pena” falei “eu queria levar meus amigos para ver ele, e aí ele podia ensinar para todos nós. Mas aquela coisa do pescoço só para mim, por que eu sou o melhor amigo dele”.
     Perguntei pra mamãe o que ele quis dizer com “Deus te abençoe” e ela falou que ele estava agradecendo pelo biscoito e pelas moedas, e que ele desejava que Deus tornasse nossa vida boa. “Mas a nossa vida já é boa” disse “bem, então ele desejou com bastante força” mamãe falou.
     Então a gente chegou na escola. Mamãe estacionou o carro, e eu peguei minha mochila e a lancheira. Dei um beijo na bochecha dela e falei “depois ele me ensina a fazer aquele malabarismo legal!!” e fui correndo para o portão da escola.

     Ingênuo eu era, não? Isso já faz 10 anos, e nunca mais eu vi aquele menino. Nem aprendi a fazer malabarismo daquele jeito.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Campos ou Almeida?

Campos ou Almeida?


     O lugar exato, com nome, número, coordenada, não importa. Foi em um hospital. Um hospital normal, as paredes brancas, e várias portas, com plaquinhas escritas em preto coisas como “Copa”, “Raio-X”, “Repouso de Anestesia”, “Eletrocardiograma”, “Sala de Parto”, e “Maternidade”.
     “Sala de Parto”. Foi onde Pricila de Almeida, com 38 anos, deu à luz a esse menino. Nicolas nasceu às 20h57, por trás da porta branca com uma plaquinha escrita em preto “Sala de Parto”. O menino, de 48 centímetros, o rosto todo vermelho do choro e as pernas esperneando saiu para o mundo com os olhos fechados. “Repouso”. Foi onde Pricila de Almeida foi deixada, quando a enfermeira levou o menininho para o berço da “Maternidade”.
     “Sala de Parto”. Foi onde Fátima Campos, com 36 anos, deu à luz a um outro menino. Rafael nasceu às 21h01, por trás da porta branca com uma plaquinha escrita em preto “Sala de Parto”. O menino, de 50 centímetros, as bochechas vermelhas do choro, as pernas esperneando e os braços agitados no ar, saiu para o mundo de olhos abertos. “Repouso”. Foi onde Fátima Campos foi deixada, quando a enfermeira levou o menininho para o berço da “Maternidade”.
     “Maternidade”. Foi onde a enfermeira colocou a pulseirinha de papel escrita “Pricila de Almeida” em Rafael, e a escrita “Fátima Campos” em Nicolas – pulseiras trocadas.
     Assim, quando as mães receberam os filhos nos braços, receberam o filho da outra. Pricila de Almeida estranhou o menino, Rafael. A pele do seu filho era mais clarinha, e os olhos mais escuros. “Esse não é meu filho” era tudo o que ela pensava, e se culpava por isso, mas pediu para a enfermeira ver se não havia algum engano. Fátima recebeu Nicolas aos braços e não estranhou nada, não percebeu nenhuma diferença – era seu filho.
     Por isso, quando o hospital entrou em contato, dois anos depois, com a notícia que havia tido um engano (Pricila estava certa. Aquele não era seu filho), não acreditou, e não acreditaria até fazer um teste de DNA.
     Papeis pra lá, assinaturas pra cá... foi feito o tal teste. Com as duas mães, e as duas crianças. Fátima então, cinco dias depois, quando os resultados saíram, ficou espantasíssima com a nova criança colocada em seus braços – seu filho biológico.
     Pricíla foi com Nicolas, que fora chamado de Rafael até agora para casa, e Fátima com Rafael, chamado de Nicolas.
     Pricíla queria ver o outro menino que se apegara tanto, mas não abriria mão de jeito nenhum de seu filho biológico. Fátima não conseguia se acostumar com a ideia de aquele garoto ser seu filho, e o menino não aceitava a estranha também.
    Mais papéis para lá... mais assinaturas pra cá... o martelo bateu, e Pricila ficaria com os dois garotos.
     Hoje, 8 anos depois, Rafael Campos, que veio para o mundo de olhos abertos, e fora dois anos chamado de Nicolas de Almeida, e Nicolas de Almeida, que veio para o mundo de olhos fechados, e fora dois anos chamado de Rafael Campos, moram com Pricila de Almeida em uma casinha aconchegante em uma rua ali do centro, os dois carregando o sobrenome “de Almeida”
     “São os irmãos mais inseparáveis que já vi” diz a mãe, Pricila de Almeida.

terça-feira, 12 de abril de 2016

Caçula

Caçula

     Quando você está a ponto de chorar em um "almoço em família", e quer ir para o quarto desesperadamente, mas não pode, e ele é o único que repara, e diz "vem me ajudar um pouco no meu quarto", te livrando daquele desespero, e dando colo, deitados na cama dele, enquanto você chora.
     Quando você rala o joelho, chora, berra, chora, grita e chora.. e nada para te fazer parar de chorar, e te distrair do machucado, e ele vem, e põe e tira a palma da mão da sua boca aberta, fazendo você rir por causa do barulho que seu próprio choro está fazendo.
     Quando vocês brigam, e você joga um brinquedo na cabeça dele. 
     Quando ele aprende a fazer uma aro de bexigas só para seu aniversário.
     Quando briga por que você está demorando muito para se arrumar.
     Quando você não consegue dormir, e ele, que é o único acordado da casa, vai para sua cama, e e conta mil histórias até você pegar no sono.
     Quando você completa seus 13 anos, e ele vai com você para a Galeria do Rock, só por que você está louco por aquele moletom do Batman, e diz que se você quiser, poderia colocar um alargador, (desde que não fosse muito grande) e fazer uns dreads, que explicaria para sua mãe depois, não tem problema.
     Quando você ganha patins de natal e não tem ideia de como se anda naquilo, e ele fica o dia inteiro te ensinando, e te guiando, até que depois de várias raladas, cortes, choros, no fim do dia você consegue dar uma volta inteira no quintal sem cair, e ele faz aquele brigadeiro de panela que você ama para "comemorar"
     Quando você pede para jogar xadrez, mas não lembra dos movimentos das peças, e em nenhum momento ele reclama em te falar pela quinta vez naquela semana.
     Quando você está dormindo, é seu aniversário, e ele te acorda as 7h da manhã e te faz levantar para tomar café.
     Quando você está desamparado no meio da multidão, e ele chega e te abraça por trás, dando o conforto exato que você precisava, e naquele momento, parece que só existem vocês no mundo.
     Quando você, com 5 anos, acorda as 6h da manhã na páscoa para procurar os ovos, e ele levanta com você sem reclamar, e até brinca, te faz cócegas, e ajuda à achar todos os ovos escondidos.
     Quando vocês vão dormir na sala, e seu pai acabou de dizer "sem filmes de terror, seu irmão é muito novo", e ele coloca um para vocês assistirem, e na hora em que vão dormir, ele te abraça forte, mas não é você quem está com medo.
     Quando você não sabe como faz aquela lição de matemática, e ele te explica, e mostra outras milhares de coisas, sobre tudo, e aquela simples lição vira algo muito maior.
     Quando ele está presente quase todos os dias, todas as horas...
     E quando ele está se afastando, e quase não para em casa.
     Quando vem com a namorada, e não quer que você entre no quarto, que antes você entrava sem bater.
     Quando precisa estudar para as provas da faculdade e não tem tempo para jogar jogos de tabuleiro com você.
     Quando passa na faculdade em outro país, e fica longe todo o ano.
     Quando se casa e vai morar em outra cidade.
     Quando se você o vê uma vez por mês já é muita coisa.
     Quando você não tem mais com quem procurar ovos de páscoa, jogar xadrez, ir para a Galeria do Rock fazer dreads, ver filmes de terror, chorar...
      E ele vem certo dia, e te abraça forte, dizendo que por mais distante que esteja, ele sempre será seu irmão mais velho. Nas brigas em que você jogou um cbrinqueo na cabeça dele, ou nas vezes que conversaram sobre mil outros assuntos em uma lição de matemática.
     E no dia seguinte... ele não está mais lá, teve que ir para a faculdade, ou para casa, ou qualquer outro lugar.
     Não importa religião. Casa. Sangue. Pais diferentes. É o seu irmão mais velho. E por mais distante que esteja, sempre vai ser.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Primeiro Domingo de Abril

Primeiro Domingo de Abril


     Primeiro Domingo de Abril. Precisa-se falar data exata? Acho que não né? Não. Ótimo.
São Paulo. A cidade. Que fica no estado com o mesmo nome. Que fica no país Brasil. Que fica no Continente Americano. Que fica no Oceano Atlântico e no Pacífico. Que fica no Planeta Terra; não na Lua. Nem em Marte. Mas quem sabe? Talvez exista São Paulo, cidade e estado, Brasil, América, Oceano Atlântico, Pacífico, em Marte também. Ou talvez Plutão? Netuno? Não sei. Ok; já tem informação demais, mas vou dar mais uma: Sesc Pompeia.
     Primeiro Domingo de Abril. Sesc Pompeia. Foi onde estava essa família estrangeira.
     Para quem não sabe, “estrangeiro” quer dizer “de outro lugar”. No caso, o lugar tem o nome de Noruega, mas já foi um lugar que era junto com outros, e era algo muito maior, de outro nome que não convêm no momento.
     Família composta por um padrasto, uma mãe, e duas filhas. Seus nomes, na mesma ordem: Hagar, (como “O Terrível”), Marga, Maria Helena (a mais velha), e Rafaela (a mais nova).
     O por que deles estarem naquele lugar, é claro: a mãe de Maria Helena e Rafaela arranjou um pequeno trabalho em sua área profissional (fotografia), sobre “pontos turísticos da cidade de São Paulo”, para uma revista. O por que dela arranjar esse trabalho também é claro: a família norueguesa havia se mudado para São Paulo havia apenas um mês, e tanto Hagar quanto Marga estavam desempregados, e precisavam de dinheiro para por as filhas em escolas boas, continuar a alimentá-las, acabar de pagar o aluguel da casa... enfim: coisas simples do dia a dia.
     Hagar não havia conseguido um trabalho, e por não concordar em apenas ficar em casa, sem fazer nada, estava ajudando a mulher. Por isso, com os dois fora, não tinha quem ficar com Maria Helena e Rafaela, e as duas meninas tinham que ir junto com a mãe e o padrasto.
     Antes de continuar a história sobre o primeiro Domingo de Abril, Sesc Pompeia, vou falar sobre onde a família estrangeira estava morando, e ainda está, até hoje. Tudo bem? Tudo né? Sim. Ótimo.
     Marga e Hagar alugaram uma pequena casa em uma rua sem saída, onde havia mais 7 outras moradias, quase todas com crianças. Alugaram a casa azul de número 7, com uma varanda no andar de cima. Na rua, havia Pedrinho, na casa amarela de número 1. Ele tinha 10 anos, era alto, pálido e magrelo, com o nariz arrebitado. Na casa verde de número 2, havia Joana. Ela tinha 8 anos, era baixinha, e usava sempre Maria-chiquinhas. Na casa laranja, de número 3, havia Paulo e Marco. Eles tinham 9 anos, igual à Maria Helena. Os gêmeos eram baixinhos, e tinham os cabelos ruivos bagunçados, e sardas no nariz. E vou parar por aí, que vai ser tanta criança, idade, casa, cor, número, que vai dar dor de cabeça.
     A última casa era branca, de número 8. A única sem criança, onde morava o “velho Eustácio”, como as crianças o chamavam, mas não se sabe se era esse mesmo o nome dele. “Velho Eustácio” tinha 68 anos, era rabugento, e não gostava de crianças. Tinha um cachorro chamado Rajá, que era branco, grande, e cheio de pelos – Rafaela se apaixonou por ele, e como não podia ir à casa do velho, ficava observando o cão do outro lado da rua.
     Maria Helena logo se enturmou com as outras 10 crianças que moravam nas casas, e saia para brincar na rua. Jogavam amarelinha, batiam corda, brincavam de pega-pega, cabra-cega, esconde-esconde, reloginho, rio vermelho, e tantas outras brincadeiras que não irei nomear. Maria Helena era a mais tímida das 12, mas ajudava os meninos a aprontarem. Pulavam o muro do Velho Eustácio, jogavam pedras para o outro lado do muro no fim da rua, e tocavam a campainha de algum vizinho, depois saiam correndo para se esconderem.
     Ok, agora, continuando:
     Primeiro Domingo de Abril, Sesc Pompeia.
     Maria Helena ia andando mais a frente da família, o rabo de cavalo balançando na cabeça, as mãos segurando os suspensórios do seu macacão verde, e fazendo barulho com os chinelos vermelhos grandes de mais para o seu pé. Ia observando tudo curiosa: o gato listrado em cima do muro, as plantas nas paredes, as crianças se pendurando no balcão da lanchonete.
     Rafaela ia atrás, as duas mãos dadas à mãe e ao padrasto. A menina ia balançando a cabeça, com uma melodia de abertura de algum desenho animado que viu na TV em sua mente, em seu próprio mundo. O vestidinho azul pinicava ela, toda hora, soltava a mão de Hagar para coçar a perna, e tirar o cabelo da nuca, que suava.
     Não se podia ler a expressão de Hagar, que usava óculos escuros, mas ele franzia a testa o tempo todo, olhando para o lado, e de vez em quando tirava uma foto ou outra. O andar era despreocupado, e a camiseta branca estava manchada de vermelho na altura do peito.
     Marga andava despreocupada, mas com as costas rígidas, e apertava os olhos por causa da luz. O salto fazia barulho no paralelepípedo, e a camisa estava desconfortável para aquele dia quente.
     Assim que entraram no Sesc, Maria Helena saiu correndo, e Hagar gritou (em norueguês, pois ainda não sabia português muito bem) para ela voltar. A menina voltou de cabeça baixa, contrariada, mexendo em sua pulseira verde de borracha no punho direito.
     Marga soltou a mão de Rafaela, que nem percebeu, e apenas continuou balançando a cabeça, e coçando a perna as vezes. A mãe continuou andando mais devagar, as vezes ajoelhava, ficava na ponta dos pés ou subia em um muro para tirar as fotos para a revista, as vezes com a ajuda de Hagar, as vezes não.
     Maria Helena, quando percebeu que a mãe e o padrasto estavam distraídos o bastante, saiu correndo para o meio de todos aqueles desconhecidos, e das palavras estranhas, para explorar o lugar.
Rafaela continuava lá, balançando a cabeça, seguindo os pais no piloto automático, e começava a tropeçar as vezes pela falta de atenção.
     Maria Helena achou uma biblioteca, e tentou entrar na parte com mais livros, mas foi barrada. Precisava de um “documento” para entrar, e não tinha esse tal “documento”, o que quer que isso quisesse dizer.
     Então, a menina subiu as escadas para um lugar onde havia cadeiras e mesas, onde algumas pessoas estavam sentadas. Umas lendo, outras escrevendo, algumas jogando xadrez, e um homem no canto dormindo.
     Foi seguindo, até onde a escada descia. Descobriu que estava atrás da biblioteca, da parte que tinha mais livros. Era protegida por um vidro, que Maria Helena não percebeu, então deu de cara nele. Ignorou o nariz que sangrava um pouco, e o vermelho na testa que com certeza seria um galo mais tarde, e se espremeu por baixo para passar.
     Por fim, entrou na biblioteca, e achou um livro de ilustrações. Mesmo já sabendo ler muito bem em sua língua, e lia livros de 100, 200, ou até 400 páginas, sem ilustração nenhuma, como “Harry Potter”, ou “A Espada na Pedra”, se pegou fortemente interessada por aquele livro.
     Sua capa era laranja, e tinha o retrato de uma menina muito parecida com ela. Maria Helena tentou ler o título do livro, mas não conseguiu. Foi folheando as páginas, sem saber a maioria das palavras, só olhando as imagens. A menina, conseguiu saber, se chamava Maria Antonieta. Era igualzinha a ela, dos pés à cabeça.
     Maria Helena acabou de “ler” o livro; a última imagem era da menina jantando com a irmãzinha, a mãe, e o pai.
     Saiu da biblioteca pela entrada mesmo, e o homem que tinha barrado ela antes apenas a olhou confuso, mas a menina foi andado, e ele a deixou ir, então Maria Helena nem percebeu seu espanto.
     Achou os pais e Rafaela em outro canto do Sesc, onde tinham umas camisetas sendo vendidas. Pediu para a mãe comprar uma azul para ela, que nem a da menina do livro. Rafaela estava sentada em um banco de madeira, ainda balançando a cabeça.
     Maria Helena foi até a irmãzinha, e abraçou seu ombro, assim como a menina no livro fazia.
     Rafaela olhou para a irmã, e deitou em seu colo. Fechou os olhos, e dormiu.
     A menina olhava para os lados curiosa prestando atenção em tudo, mas deixou a irmã dormindo em seu colo. Olhava a mãe tirando a foto de um balcão cheio de lápis, Hagar lendo um folheto, o gato listrado que subia as escadas, o passarinho que havia feito um ninho em uma árvore ali ao lado.
Já havia fotos o suficiente, e Marga chamou Maria Helena, que acordou Rafaela. Eles iam voltar para casa.
     Primeiro Domingo de Abril, casa azul de número 7. Foi onde a família norueguesa jantou, à mesa, que nem a família do livro.