Primeiro
Domingo de Abril
Primeiro Domingo de
Abril. Precisa-se falar data exata? Acho que não né? Não. Ótimo.
São Paulo. A cidade.
Que fica no estado com o mesmo nome. Que fica no país Brasil. Que
fica no Continente Americano. Que fica no Oceano Atlântico e no
Pacífico. Que fica no Planeta Terra; não na Lua. Nem em Marte. Mas
quem sabe? Talvez exista São Paulo, cidade e estado, Brasil,
América, Oceano Atlântico, Pacífico, em Marte também. Ou talvez
Plutão? Netuno? Não sei. Ok; já tem informação demais, mas vou
dar mais uma: Sesc Pompeia.
Primeiro Domingo de
Abril. Sesc Pompeia. Foi onde estava essa família estrangeira.
Para quem não sabe,
“estrangeiro” quer dizer “de outro lugar”. No caso, o lugar
tem o nome de Noruega, mas já foi um lugar que era junto com outros,
e era algo muito maior, de outro nome que não convêm no momento.
Família composta por
um padrasto, uma mãe, e duas filhas. Seus nomes, na mesma ordem:
Hagar, (como “O Terrível”), Marga, Maria Helena (a mais velha),
e Rafaela (a mais nova).
O por que deles
estarem naquele lugar, é claro: a mãe de Maria Helena e Rafaela
arranjou um pequeno trabalho em sua área profissional (fotografia),
sobre “pontos turísticos da cidade de São Paulo”, para uma
revista. O por que dela arranjar esse trabalho também é claro: a
família norueguesa havia se mudado para São Paulo havia apenas um
mês, e tanto Hagar quanto Marga estavam desempregados, e precisavam
de dinheiro para por as filhas em escolas boas, continuar a
alimentá-las, acabar de pagar o aluguel da casa... enfim: coisas
simples do dia a dia.
Hagar não havia
conseguido um trabalho, e por não concordar em apenas ficar em casa,
sem fazer nada, estava ajudando a mulher. Por isso, com os dois fora,
não tinha quem ficar com Maria Helena e Rafaela, e as duas meninas
tinham que ir junto com a mãe e o padrasto.
Antes de continuar a
história sobre o primeiro Domingo de Abril, Sesc Pompeia, vou falar
sobre onde a família estrangeira estava morando, e ainda está, até
hoje. Tudo bem? Tudo né? Sim. Ótimo.
Marga e Hagar alugaram
uma pequena casa em uma rua sem saída, onde havia mais 7 outras
moradias, quase todas com crianças. Alugaram a casa azul de número
7, com uma varanda no andar de cima. Na rua, havia Pedrinho, na casa
amarela de número 1. Ele tinha 10 anos, era alto, pálido e magrelo,
com o nariz arrebitado. Na casa verde de número 2, havia Joana. Ela
tinha 8 anos, era baixinha, e usava sempre Maria-chiquinhas. Na casa
laranja, de número 3, havia Paulo e Marco. Eles tinham 9 anos, igual
à Maria Helena. Os gêmeos eram baixinhos, e tinham os cabelos
ruivos bagunçados, e sardas no nariz. E vou parar por aí, que vai
ser tanta criança, idade, casa, cor, número, que vai dar dor de
cabeça.
A última casa era
branca, de número 8. A única sem criança, onde morava o “velho
Eustácio”, como as crianças o chamavam, mas não se sabe se era
esse mesmo o nome dele. “Velho Eustácio” tinha 68 anos, era
rabugento, e não gostava de crianças. Tinha um cachorro chamado
Rajá, que era branco, grande, e cheio de pelos – Rafaela se
apaixonou por ele, e como não podia ir à casa do velho, ficava
observando o cão do outro lado da rua.
Maria Helena logo se enturmou com as outras 10 crianças que moravam nas casas, e saia
para brincar na rua. Jogavam amarelinha, batiam corda, brincavam de
pega-pega, cabra-cega, esconde-esconde, reloginho, rio vermelho, e
tantas outras brincadeiras que não irei nomear. Maria Helena era a
mais tímida das 12, mas ajudava os meninos a aprontarem. Pulavam o
muro do Velho Eustácio, jogavam pedras para o outro lado do muro no
fim da rua, e tocavam a campainha de algum vizinho, depois saiam
correndo para se esconderem.
Ok, agora,
continuando:
Primeiro Domingo de
Abril, Sesc Pompeia.
Maria Helena ia
andando mais a frente da família, o rabo de cavalo balançando na
cabeça, as mãos segurando os suspensórios do seu macacão verde, e
fazendo barulho com os chinelos vermelhos grandes de mais para o seu
pé. Ia observando tudo curiosa: o gato listrado em cima do muro, as
plantas nas paredes, as crianças se pendurando no balcão da
lanchonete.
Rafaela ia atrás, as
duas mãos dadas à mãe e ao padrasto. A menina ia balançando a
cabeça, com uma melodia de abertura de algum desenho animado que viu
na TV em sua mente, em seu próprio mundo. O vestidinho azul pinicava
ela, toda hora, soltava a mão de Hagar para coçar a perna, e tirar
o cabelo da nuca, que suava.
Não se podia ler a
expressão de Hagar, que usava óculos escuros, mas ele franzia a
testa o tempo todo, olhando para o lado, e de vez em quando tirava
uma foto ou outra. O andar era despreocupado, e a camiseta branca
estava manchada de vermelho na altura do peito.
Marga andava
despreocupada, mas com as costas rígidas, e apertava os olhos por
causa da luz. O salto fazia barulho no paralelepípedo, e a camisa
estava desconfortável para aquele dia quente.
Assim que entraram no
Sesc, Maria Helena saiu correndo, e Hagar gritou (em norueguês, pois
ainda não sabia português muito bem) para ela voltar. A menina
voltou de cabeça baixa, contrariada, mexendo em sua pulseira verde
de borracha no punho direito.
Marga soltou a mão de
Rafaela, que nem percebeu, e apenas continuou balançando a cabeça,
e coçando a perna as vezes. A mãe continuou andando mais devagar,
as vezes ajoelhava, ficava na ponta dos pés ou subia em um muro para
tirar as fotos para a revista, as vezes com a ajuda de Hagar, as
vezes não.
Maria Helena, quando
percebeu que a mãe e o padrasto estavam distraídos o bastante, saiu
correndo para o meio de todos aqueles desconhecidos, e das palavras
estranhas, para explorar o lugar.
Rafaela continuava lá,
balançando a cabeça, seguindo os pais no piloto automático, e
começava a tropeçar as vezes pela falta de atenção.
Maria Helena achou uma
biblioteca, e tentou entrar na parte com mais livros, mas foi
barrada. Precisava de um “documento” para entrar, e não tinha
esse tal “documento”, o que quer que isso quisesse dizer.
Então, a menina subiu
as escadas para um lugar onde havia cadeiras e mesas, onde algumas
pessoas estavam sentadas. Umas lendo, outras escrevendo, algumas
jogando xadrez, e um homem no canto dormindo.
Foi seguindo, até
onde a escada descia. Descobriu que estava atrás da biblioteca, da
parte que tinha mais livros. Era protegida por um vidro, que Maria
Helena não percebeu, então deu de cara nele. Ignorou o nariz que
sangrava um pouco, e o vermelho na testa que com certeza seria um
galo mais tarde, e se espremeu por baixo para passar.
Por fim, entrou na
biblioteca, e achou um livro de ilustrações. Mesmo já sabendo ler
muito bem em sua língua, e lia livros de 100, 200, ou até 400 páginas, sem
ilustração nenhuma, como “Harry Potter”, ou “A Espada na
Pedra”, se pegou fortemente interessada por aquele livro.
Sua capa era laranja,
e tinha o retrato de uma menina muito parecida com ela. Maria Helena
tentou ler o título do livro, mas não conseguiu. Foi folheando as
páginas, sem saber a maioria das palavras, só olhando as imagens. A
menina, conseguiu saber, se chamava Maria Antonieta. Era igualzinha a
ela, dos pés à cabeça.
Maria Helena acabou de
“ler” o livro; a última imagem era da menina jantando com a
irmãzinha, a mãe, e o pai.
Saiu da biblioteca pela
entrada mesmo, e o homem que tinha barrado ela antes apenas a olhou
confuso, mas a menina foi andado, e ele a deixou ir, então Maria
Helena nem percebeu seu espanto.
Achou os pais e
Rafaela em outro canto do Sesc, onde tinham umas camisetas sendo
vendidas. Pediu para a mãe comprar uma azul para ela, que nem a da
menina do livro. Rafaela estava sentada em um banco de madeira, ainda
balançando a cabeça.
Maria Helena foi até
a irmãzinha, e abraçou seu ombro, assim como a menina no livro
fazia.
Rafaela olhou para a
irmã, e deitou em seu colo. Fechou os olhos, e dormiu.
A menina olhava para
os lados curiosa prestando atenção em tudo, mas deixou a irmã
dormindo em seu colo. Olhava a mãe tirando a foto de um balcão
cheio de lápis, Hagar lendo um folheto, o gato listrado que subia as
escadas, o passarinho que havia feito um ninho em uma árvore ali ao
lado.
Já havia fotos o
suficiente, e Marga chamou Maria Helena, que acordou Rafaela. Eles
iam voltar para casa.
Primeiro Domingo de
Abril, casa azul de número 7. Foi onde a família norueguesa jantou,
à mesa, que nem a família do livro.