domingo, 7 de agosto de 2016

De onde veio esse E.T?



De onde veio esse E.T?
             Tem aquela rua ali. Ela desce, mas não é tão íngreme. Tem um portão no começo. Alto, de ferro. Um grande, para os carros, e um pequeno para nó: pessoas, humanos, cachorros.
                No portão grande. tem uma placa, escrito ATENÇÃO, ABRE PARA FORA. E uma ver ou outra, de anos em anos, uma ou outra placa de ALUGA-SE, e mais raramente ainda: VENDE-SE.
                  Olhando lá de cima, parece uma rua normal. Cassa com garagens, ou com carros parados em suas portas. Casa de cores normais: brancas, beje, laranjas, amarelas... Todas aparentam serem sobrados.
                Mas tem algumas, lá no meio, que só tem o térreo mesmo.
                Muros; portões; portas; janelas; telhados de telha, e de aluminio. 
                É uma rua; Apenas.
                  Árvores; paralelepípedo; asfalto. Calçadas de piso, e de cimento.       
                  É uma rua; Apenas.
                Mas vá descendo. Se tiver coragem, passe o portão. Peça para o porteiro abrir, de sua "casinha", o portão grande. Ou enfie a mão pelo buraco do portão pequeno, assim, girando a chave.
                  Vá; desça.
                  Quanto mais você descer nessa rua, mais diferente das outras ela vai ficando. 
                  Há crianças brincando. Correndo; pulando; se escondendo. 
                  Em uma das casas - você pode reparar - há um sofá velho, azul. E no quintal dessa casa, três árvores de pequenos frutos laranjas, que dependendo da época do ano, as crianças pegam para jogar umas nas outras, assim, fazendo uma "guerra de coquinhos", que é como elas chamam as frutinhas. 
                Se contarmos, tem 31 casas nessa rua; e em meados de Julho, podemos ver uma grande fogueira lá em baixo. Bandeirinhas de revistas velhas, feitas pelas crianças, que correm de um lado para o outro, enquanto os adultos conversam em mesas, tomando vinho quente de uma vizinha portuguesa - a Festa Junina.
                Pelo meio da rua, mais ou menos, no chão, tem um desenho difícil de se decifrar. Desenhado com tinta branca, e escrito "E.T", ao lado.
                  E lá no fundo, no fim da rua... um muro. De fundo branco. Com várias mãos de tinta, de tamanhos e cores diferentes. Frases, e desenhos.
                    Tem aquela rua ali. Ela desce, mas não é tão íngreme. Tem um E.T. Um muro colorido; crianças na rua; um sofá velho, azul; e pequenos frutos laranjas.            
            
           
   

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Óculos

                   Óculos

           Minha mãe usa óculos. Meu pai deveria usar. Minha avó? Ela usa lente. Tenho 5 irmãos, dos quais 3 usam óculos tambem.
             Pois é; obviamente, sendo assim, eu também uso.
            Passei a usar com 8 anos, lembro-me do meu primeiro óculos. Era um rosa claro, meio transparente, e de formato retangular; amei usá-lo. Adorava.
            Desde então, sempre uso óculos, não consigo ler,de perto ou de longe, ou até mesmo indentificar pessoas de longe sem ele.
            Tenho muita olheira; roxa, profunda; elas marcam muito meu rosto. O óculos, que agora eh meio quadrado, e grande; azul marinho, rosa claro por dentro.
            O óculos desfarsa
            "Eu não nasci de óculos; eu não era assim não"
             Acham que o óculos da charme de intelectual; será mesmo? Talvez, as vezes; as vezes não
             "Se eu to feliz eu ponho os óculos e vejo tudo bem; mas se to triste eu tiro os óculos, eu não vejo ninguem"
             Sempre amei essa frase; óculos faz com que nós, intelectuais vistos como intelectuais apenas pela armação em nossos olhos, ou não intelectuais vistos como tais, enxergarmos; é uma ajuda; nossa ajuda. Mas também funcionacomo saída de incendio
              Se você usa óculos, não fique triste, pode ser seu charme; sua ajuda; sua ligação genética com o resto da sua familia.. E também sua saída de incendio..

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Meu Nome é Khalil

Meu Nome é Khalil

Meu nome é Khalil. Eu tenho cinco anos.
Nasci em Palmira, uma cidade que fica na Síria. Minha mãe e meu avô contavam histórias de quando Palmira era um lugar bonito. Quando eu tinha até quatro anos, essas histórias serviam para eu dormir. Mas como mamãe diz, quando eu fiz cinco, virei um menino grande, e comecei a fazer perguntas sobre a guerra... e principalmente sobre papai.
Minha casa foi destruída quando eu ainda era um bebê. Nunca vi minha cidade, nunquinha, só na minha imaginação, lá é um lugar bem bonito.
Mamãe diz que papai era um homem corajoso e bonito, que nem eu. Ele morreu quando nossa casa foi atingida por uma bomba... Acho. Eu não entendo isso! O que fizemos para sermos tratados assim?!
Ele estava tentando proteger a mamãe, eu e o vovô. Eu ainda era um bebê de colo, por isso não lembro de nada.
Logo depois disso, fomos presos. Na verdade, foram alguns anos depois... Não tenho muita noção de tempo.
Fomos presos em um lugar super apertado. Eu fiquei com a mamãe, mas fomos separados do vovô.
De noite, mamãe continuava contando histórias da minha cidade natal, e eu dormia. Mas às vezes eu não conseguia dormir, e via aqueles homens maus que nos prenderam aqui em cima da mamãe.
Precisava proteger ela, então me levantei, mas Tamires, uma menina com uns onze anos me segurou... Depois eu dormi. Ainda não entendo direito o que tinha acontecido. Mas mamãe não estava feliz. Ela estava sofrendo. Isso eu sei.
Uma noite, eu dormi lá, e quando acordei, estava no mar. Com mamãe, vovô, Tamires, os pais dela, e Piteu, um menino da minha idade. Me falaram que fugimos, por pouco. Mas não me contaram como... Tudo bem! Desde que mamãe não sofra mais!
Agora, está completando oito dias no mar. Vovô caiu, estava sem forças. Piteu não comia, e uma noite ouvi mamãe e o pai de Tamires falando sobre “depressão”... Não sei o que é isso... O pai de Tamires se jogou no mar. Um covarde, mamãe diz. Eu também acho.

Tento não entrar em desespero. Tenho cinco anos, sou um menino grande. O único homem aqui. Vou proteger elas. Mamãe, Tamires, Piteu, e a mãe de Tamires. Vou proteger elas, sou corajoso e bonito, igual ao papai. E ainda vou salvar todos. TODOS.

sábado, 4 de junho de 2016

Espero

Espero

Sentada em uma das mesas do Starbucks, espero meu pedido chegar. Antes, eu estava em pé na fila; mas então, depois de mais ou menos 10 ou 15 minutos no mesmo lugar, meus pés e minhas pernas começaram a doer, então troquei de lugar com a minha mãe, e fui sentar.
Vim para o cinema com a minha mãe, assistir "Alice Através do Espelho", por motivos muito simples: 1 - Johnny Depp 2 - Andrew Sccot 3 - eu queria ver por que assim, eu li o livro, e queria ver o que tinham feito dessa vez (ps: não tem nada a ver com o livro, igual ao Alice no País das Maravilhas).
A mesa é pequena e redonda, de madeira. Em cima dela, apenas os brownies, um de chocolate amargo, e outro de chocolate com doce de leite. Tento me conter a pegar um e dar a primeira mordida.
A fila para pagar fica cada vez maior, e a de pegar o que pediu também. Um pouco mais tarde e a gente já teria desistido e pegado um sorvete do Mc.
Em volta, tem algumas mesas iguais à a que estou, onde se sentam vários casais. Em um pequeno sofá, um casal de gays, com os frappuccinos acabados ao lado. Eles se beijam. É o terceiro casal homossexual que vejo no shopping. Um casal de gays na sala do cinema, um de lésbicas na livraria, e agora esse. Parece que cada vez mais aparecem. Eles estão se libertando, acho. Acho isso legal.
De repente, a ideia de estar rodeada de casais, e estar com a minha mãe me machuca um pouco. Não sei por que, mas ao menos ela estivesse aqui comigo... mas enfim, esse texto não será um dos mil que tenho sobre minha horrível vida amorosa. (Ou trágica, depende do ponto de vista).
Discretamente (só que não) observo o casal. Os dois aparentam ter uns 15 ou 16 anos. Um deles tem os cabelos espetados e azuis. Me lembra algum personagem de anime. Usa uma camiseta preta, calça jeans, e all star preto. O outro tem o cabelo enrolado e loiro, claramente pintado, dando para ver fios pretos perto da raiz. Veste camiseta de tie dye, bermuda jeans esbranquiçada, e All Star de cano alto azul.
Eles se separam um pouco, e o de cabelo azul sussurra alguma coisa para o outro, que sorri. Então, ele olha para mim, e seu olhar se fecha um pouco, e ele se separa mais do outro, que vira para trás e me olha. Os dois fecham a cara; devem achar que os observo com algum tipo de desgosto, ou simplesmente não gostam que sejam observados (o que entendo totalmente).
Abro um sorriso, como um pedido de desculpas, e eles abrem um leve sorriso e voltam a se beijar.
Abro um dos mangás que comprei na livraria, e coloco os fones para ouvir My Chemical Romance.
Não sei quanto tempo passou, já estava na metade do mangá, e minha mãe veio, com os dois frappuccinos. Fechei o mangá e tirei um dos fones, e dei a primeira mordida no brownie. Sim, era tão bom quanto eu achava que era.
Dou o primeiro gole no frappuccino... e esqueceram o café.





quarta-feira, 1 de junho de 2016

Saida

Saída

          Quinta feira a tarde, sento no banco vermelho na entrada da escola. Fico lá sozinha, meus amigos estão na aula de educação física, que não posso fazer. Enquanto espero minha mãe para me buscar e ir para a terapia, observo as crianças. É hora da saída delas.
         Em um canto, um menino que deve ter uns 7 anos lê um livro ilustrado do "Clifford, o gigante cão vermelho". Ele tem cabelos pretos e espetados, olhos meio puxados e caídos, e as roupas de frio engordam seu corpo magro.
          No outro canto, uma rodinha de meninas, com um meninas, e um menino brincam de jogos de mãe, como "popai", "babalu", e "nós as quatro".
           Espalhados, há crianças brincando de pega-pega, carrinho, boneca, e outras mostrando um desenho ou um trabalho feito em aula umas para as outras.
          E, em um banco de madeira, uma menina dorme no colo de uma professora. A menina está com os cabelos loiros e lisos espalhados pelo rosto. O casaco rosa choque está um pouco levantado, e dá para ver uma camiseta, rosa também. As bochechas estão vermelhas do frio, e ela usa calça leggin cinza. Deve ter uns 5 anos.
         Então, chega o primeiro pai. Uma menina o vê. Ela tem cabelos enrolados e pretos, assim como ele. Olhos verdes e grandes, iguais aos dele. Sardas. O pai não tem sardas. E é magra. Ele também. A menina sai correndo, gritando "papaaiii", e se joga nos braços dele, que a abraça e diz "Ei, pequena! Como foi a aula?". A menina começa a contar sobre as coisas que ela fez. Os desenhos, leitura de fábulas, e brava, conta do menino que puxou o cabelo dela no recreio.
          Os dois vão embora, de mãos dadas. Isso me lembrou minha primeira escola, o grão. Nós subíamos em uma árvore que tinha, e víamos os pais chegando.
          Depois, foi chegando mais pais e mães. As crianças, assim que os viam, corriam até eles para abraçar e contar sobre tudo. 
          Os desenhos. As leituras de fábulas. A nova palavra que aprendeu. O que comeu na cantina. Tudo.
           Agora minha mãe chegou. Levanto do banco vermelho, e passo pelo meio dos abraços e beijos.

terça-feira, 31 de maio de 2016

Sempre

            Sempre

     Me debruço na sacada, ignorando as constantes advertências de minha mãe de quando morava com ela: "Não se debruce assim, menino" Vai cair desse jeito!" Sinceramente? Não me importo. E daí se eu cair? Moro no terceiro andar; sobrevivo. E se não sobreviver, e daí? Esse mundo não tem graça. Quem sabe a Morte não divirta as coisas um pouco?
     Olho o horizonte. Prédios, prédios e mais prédios. Nenhum campo aberto para jogar bola, empinar pipa ou andar de carrinho de Rolimã, como meu pai dizia fazer quando menino. Quem me dera ter tido uma infância assim...
     Volto a me debruçar, e olho para baixo. Observo o homem que passa do outro lado da rua. Ele sempre passa aqui nesse horário, 19h58. Ele é bem gordo, e usa roupas formais. Seu andar é rígido, com os braços retos ao lado do corpo, indo para frente e para trás, as mãos levemente fechadas, e os passos largos, duros, e certeiros, como se marchasse.
    Já o perdi de vista, o que significa que são 18h. E por isso, olho o prédio da frente, em uma das janelas do quarto andar, que sempre está aberta.
     Fico olhando, esperando. E... pronto. Lá está ela, andando por seu quanto. Seu corpo tão belo. Os seios salientes, pernas e braços finos, porém firmes. Anda até o armário, e pega uma camisola. Dessa vez é rosa.
     Então, ela sai do campo de vista que tenho pela janela, o que significa que acabou meu "tempo de descanso".
     Saio da sacada, o que deixaria minha mãe aliviada, e volto aos estudos da da faculdade.
     Sim... esse mundo é muito sem graça.

Caminho

                                                         Caminho

     Eu andava por aí. Sem onde ir, sem o que fazer. Não sabia de nada; Não entendia.
     Eu andava, e andava. Andava, e pensava. Pensava em tudo, e em nada. Pensava em por que o mundo é assim. Pensava em qual era o sentido daquilo, de viver. Por que não sabia. E ainda não sei.
     Eu andava, e via as pessoas na rua. Uma mulher levando uma menina, as duas de mãos dadas, andando como eu. Será que elas tinham onde ir? Será que sabem o sentido? Não acho que alguém saiba... 
      Andei mais, e passado alguns minutos, passei por duas pessoas. Elas dançavam.Pareciam melancólicas. Fiquei imaginando o sentido da melancolia. Imaginei vários, mas nunca soube ao certo qual era.
      Passei por outras pessoas, mas acho desnecessário falar delas. Nenhuma me chamou atenção; e ninguém reparou em mim. Eu entendo isso; Afinal, para que reparar em um menino encolhido, andando sem destino com as mãos enfiadas nos bolsos?
     Esse menino, que apesar de tão novo, se questiona tanto, e já não entende para que isso. 
    Questiona o sentido de acordar. De comer. Falar. Chorar. Dormir. Sorrir.
     Eu andava. E andando, pensava. Pensava em tudo, e em nada. Pensava no sentido de tudo aquilo. No sentido de viver. No sentido de andar.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Quadradinho e Olhos Tristes

      Quadradinho e Olhos Tristes

  Uma e vinte e nove da manhã: as luzes na rua iluminam o caminho de poucos carros que passeiam por elas;
     Uma e trinta: um menino volta para casa depois de carregar um monte de móveis pesados, com poucas moedas no bolso, e o estômago roncando, vazio;
     Uma e quarenta e um: no bar da esquina, homens bêbados jogam sinuca;
     Uma e cinquenta e nove: uma menina, na balada, dança e faz quadradinho, tentando esquecer de seus problemas;
     Duas da manhã: um homem na balada observa a menina e seu quadril, sem reparar em seus olhos tristes de alguém que fugiu de casa;
     Duas e vinte e seis: o homem chega na menina e começa a dançar com ela, e a menina o despensa;
      Duas e quarente e oito: a menina bebe seu último drink da noite, saindo da balada, com o corpo dolorido e a maquiagem borrada;
     Três da manhã: a menina que quer fazer artes e não Medicina anda descalça pelo Viaduto do Chá, com os saltos altos na mão;
     Três e dezessete: a menina chega na casa da amiga com quem está morando;
      Três e vinte e dois: a menina finalmente acha a chave do portão;
     Três e vinte e quatro: as mãos da menina são seguradas a força para trás, e uma mão grande e aspera tampa sua boca;
     Três e vinte e cinco: no portão da casa da amiga da menina, apenas a chave na fechadura semi-aberta, e os saltos jogados no chão;
     Três e quarenta: em algum lugar perto do Viaduto do Chá, uma menina que quase ninguém sabe o nome é fortemente violentada;
     Três e cinquenta: o homem, satisfeito, deixa a menina que sabia fazer quadradinho em um canto no Viaduto do Chá;
     Três e cinquenta e cinco: a menina, encolhida e machucada, chora;
     É, menina dos olhos tristes, esse mundo está apodrecido;
     Três e cinquenta e sete: a menina que quase ninguém sabe o nome reza pelas outras garotas e mulheres do mundo;
     Três e cinquenta e nove: a menina que sabe fazer quadradinho agradece por ter sido ela, não queria aquilo para ninguém;
     Quatro da manhã: a menina que fugiu de casa, com os olhos tristes e cansados adormece em algum canto do Viaduto do Chá;
    Sim, o mundo está apodrecido; e poderia ser qualquer uma.

terça-feira, 10 de maio de 2016

Luz da Lua

                    Luz da Lua
     Provavelmente, quando você era menor, percebeu que as coisas no escuro viram outras.
     O casaco na cadeira vira um tentáculo; o boneco do Woody um cowboy assassino; os sapatos que brilham no escuro os olhos de um monstro.
     E você, assustado com aquelas transformações horripilantes, corre para a cama de seus pais, onde tudo se acalma, e fica bem; Afinal, seus pais estão ali, e nenhum monstro com tentáculos, olhos brilhantes, ou um cowboy assassino pode te fazer mal no aconchego de suas cobertas.
     Mas aí você vai crescendo, e isso passa. Isso é um defeito no crescimento; a gente cresce, e em ao em vez de nossas ideias crescerem também, elas diminuem com nossa imaginação.
     Mas isso ainda acontece comigo. Nas paredes, que um dia foram rosa claro, em volta de minha cama, eu coloco desenhos. No total são 35 desenhos. Alguns bem coloridos, e outros mais escuros; alguns alegres, e outros sombrios; o "clima" do desenho geralmente transmite oque estou sentindo.
     Quando fiquei internada no hospital, por exemplo, desenhei uma mulher nua, suja, com os cabelos mal cuidados e acorrentada. Um dia que estava mais alegre, fiz uma coruja azul de olhos grandes e reluzentes.
    Mas de noite, os desenhos mudam. Mesmo os mais alegres ficam sombrios, e as cores ficam fracas. Embora devesse ser mais triste, eu gosto disso. Do escuro, e das mudanças que ele faz.
   No escuro tudo fica mais amplo, misterioso, sombrio, cheio de expectativas. De noite, mil ideias em mente; sua criatividade amplia à luz da Lua.
    Mas não se deixe enganar pelas estrelas; nunca tome decisões na noite sombria, misteriosa, e cheia de expectativas. Deixe a luz do Sol clarear suas ideias. Pois mesmo criativas, elas são todas influenciadas pelas mudanças da noite.

domingo, 8 de maio de 2016

Crise Existencial

     Crise Existencial

     As vezes tenho vontade de sumir. Sumir, e apenas isso; desaparecer aos poucos, ou subitamente;
     As coisas são vazias e sem sentido, sabe? Não me enxergo, não sei quem eu sou: a muito tempo virei outra pessoa, e não me contei.
     Sabe aquele anel do Bilbo, de "O Hobbit"? Eu tenho um desses, foi 12 reais na Liberdade. Uso ele sempre, e sempre acontece de eu me decepcionar, pois não fiquei invisível, e não poderia fugir sem ser notada.
     Já pensei nisso, essa história de fugir; Quem sabe em outro lugar as coisas sejam mais preenchidas, e façam mais sentido? Bem, eu não sei.
    Ainda estou aqui; uma menina deitada em sua cama sem conseguir dormir; com as luzes todas apagadas, com todos os bichinhos de pelúcia na cama, e a gata que ronrona em cima de sua barriga - essa sou eu - uma menina com lágrimas de sabe-se lá que sentimento escorrendo pelas bochechas;
    Uma menina que quer ler, ler, ler, e por um passe de mágica entrar dentro do livro, onde tudo é ficção e faz mais sentido.
     Uma menina que sonha acordada, e que acorda sonhando.
     Uma menina que não sabe o que quer, que já pensou em morrer.
     Uma menina que sente que não sabe de nada, e que talvez nunca soube;
     Mas alguém sabe?

O Presente? E o amor, ausente ?

O Presente? E o Amor, Ausente?

     Dia das mães. Mesmo sempre fazendo algo para minha mãe nesse dia, um café da manhã na cama, o almoço, ou pipoca para vermos um filme, me pergunto qual é exatamente a ideia desse dia. A resposta parece óbvia: celebrar o carinho e companhia de nossas mães, e presenteá-las. 
     Mas pense bem. Quando Maio está chegando, já começa as propagandas de lojas de roupas, joias, e até de supermercado dando ofertas especiais para você comprar um presente para sua mãe. Falando "Emoção do sorriso, supresa de ouvir mamãe pela primeira vez, o primeiro passo em sua direção... acontece quando se é mãe! Feliz dia das mães! Oferecimento SCHWAUKE BABY&KIDS" ou "Kits dia das mãe ROVAL um carinho que sua mãe faz questão de receber!" ou até "Fazer sua mãe feliz, no Centro custa menos!" E aí tem aquela criança que fica mal pois não tem dinheiro para comprar aquilo e fazer sua mãe feliz.
     Essas propagandas que invadem seu desenho animado preferido para ver mães abraçando filhos quando ganham uma bolsa, um colar, ou um conjunto de panelas. Pense bem, de verdade... que filho dá um conjunto de panelas para sua mãe no dia das mães?
    O dia dos pais é outro exemplo. As propagandas de pais abraçando filhos quando ganham um cinto, uma gravata, ou até "Presenteie quem você ama com 5 motos HONDA!" Onde está o amor, que teoricamente é a ideia inicial desse dia, dando 5 motos da Honda para seu pai?
     Ou então, até o Natal, que é um feriado inicialmente religioso, mas até aqueles que não acreditam em Deus ou Jesus enfeitam a árvore para colocar os presentes em baixo. A criação de um ser para as crianças se comportarem para receberem presentes. As crianças não devem ser "boas" ou "más" para ganhar presentes, oras! São crianças. 
    E tem aqueles meninos e meninas que os pais são pobres demais para comprar um presente, e ficam achando que o Papai Noel esqueceu deles, enquanto outra criança com um pouco mais de dinheiro ganha uma boneca ou um carrinho. 
    Se você pensar bem, não é tudo uma questão de ter ou não dinheiro? De ganhar ou não? Afinal, cadê a ideia inicial do amor, da paz, fé, e tudo isso? Já foi embora, com o crescimento do seu consumismo, e com seu dinheiro para comprar ovos de páscoa.

terça-feira, 3 de maio de 2016

Relatos Incompreensíveis ou não de um Lixo Orgânico

Relatos Incompreensíveis ou não de um Lixo Orgânico

      Intervalo deles de novo. Prefiro quando é o dos outros. Digo, se eu pudesse ter alguma preferência; se pudesse dizer, e se referir a esse pedaço preto de plástico vazo, que abre e fecha, como “eu”.
      Mas vamos supor que “eu” possa sentir, e ser mais. Mais do que um pedaço preto de plástico vazo, que abre e fecha. Tenho um pedal também. As pessoas pisam nele, e abrem a minha tampa, para jogar o resto de seus alimentos dentro de mim.
      Ah, não, desculpe. Eu tinha um pedal. Alguém quebrou ele ; já faz um tempo. Ou não. Afinal, oque é tempo? Para aquelas criaturas que andam por aqui, tempo é horas, dias, semanas, meses. Seu disso por que alguém jogou uma agenda velha em mim. Tive vontade de gritar: “Isso não é orgânico, animal!!” Mas não deu certo. Primeiro, por que não tenho boca, nem voz. Segundo, por que não tenho vontade própria, Acho que isso é a pior coisa em ser um lixo orgânico: não ter vontade própria.
     Na verdade, nem sei se sou realmente um “lixo orgânico”, só falo isso por que é oque está escrito, em branco, na minha frente; e como alguns humanos me chamam. Acho melhor acreditar nisso mesmo, se não vou ficar muito confuso. Afinal, oque seria de mim se não acreditasse que sou algo?
      Quando digo “intervalo deles”, me refiro aos humanos menores. Alguns pequenos demais, e que outros chamam de “projeto de gente”.
      Não entendo isso; Essa história de crescer. Fui fabricado, e já vim ao mundo com esse tamanho, essa forma, esse jeito. Pouco depois, mal tive tempo de descobrir onde estava, vim para cá. Para essa... qual é o nome mesmo? Escola?
      Desde que me trouxeram para cá, acompanhei o “crescimento” de muitas pessoas. Alguns me tratam muito bem; Me abrem cuidadosamente e jogam apenas os restos de alimentos em mim. E tem aqueles brutos, que não sei como se chamam de seres humanos, que me abrem colocando toda sua raiva, e jogam qualquer coisa em mim. As vezes, até dão-me ponta-pés. É simplesmente incompreensível.
      De manhã, tinha um menino que jogava cascas de maçã dentro de mim. Era meu perfume matinal. Acho que o menino se chama Cauê, mas não sei, pode ser só impressão.
      Vi esse menino crescendo, e virando homem. Desde pequeno, ele nunca se esqueceu de me dar meu perfume matinal sabor cascas maçã; Mas “pessoas vem, pessoas vão”, e o menino virou “homem feito”, e foi. Se pudesse amar, teria amado muito Cauê.
      Quando ele se foi, queria me despedir dele. Isso é, iria querer me despedir. Mas não deu certo. É, realmente. Não ter vontade própria é a pior coisa em ser um lixo orgânico.

sábado, 23 de abril de 2016

Nomes

Nomes

     A questão seguinte, imagino eu, é uma na qual qualquer mãe, pai, tio, avós, irmãos que futuramente serão mais velhos já se deparou. A mulher está gravida. Sempre a mulher. A mulher que tem a menstruação por conta da ovulação que não teve fecundação. A mulher que tem aquela horrível dor chamada “cólica menstrual”. A mulher que fica com a barriga arredondada e carrega a criança, que chuta lá dentro, por todo canto. A mulher que, se o homem vai embora, fica com a criança. Então, digo: “sem útero, sem opinião”.
     Mas, bem, estou desviando do assunto. Afinal, você já deve estar pensando “o que tudo isso tem a ver com 'nomes'?” Pois é o que viu no título: “nomes”. Vou dizer o que tem a ver: nada. Então, retomamos.
     A mulher está gravida. Teve a transa. A ovulação. A fecundação. As contrações. Dores. Os primeiros chutes. As pessoas que falavam com sua barriga. Tudo. Falta mais ou menos um mês para o bebê nascer. Já se sabe qual é o sexo dele, tem quarto, berço, fraldas, roupas, tudo. E o tempo passa, e essa questão ainda fica na mente dos pais, que procuram por toda a parte ajuda. Pedem opinião para os futuros avós, filhos que já tiveram, irmãos, primos, amigos, e até para o vizinho. Qual vai ser o nome da criança?
     Já pensaram em milhões de nomes, antes mesmo até de saberem se a mulher realmente estava grávida. Imaginavam qual seria o nome de seu filho quando tivessem um, antes mesmo de se conhecerem. Pensavam em mil alternativas: Luana, João, Carlos, Alfredo, Mirela, Victoria, Manuel, Miguel, Pedro, Joana, Joaquim, Cecilia, Cláudio, Jaime, Marta, Pietro, Madelena... mas nenhum parece bom agora. Ou é o nome que seu pai tinha, e você não quer que o filho tem o mesmo nome do avô. Ou é o nome daquela antiga amiga que te ofendeu, então não. Ou é um nome que você acha lindo, como Anastácia... mas é o nome de uma das “irmãs malvadas” da Cinderela.
     As pessoas dizem que nome tem idade. Afinal, você daria o nome “Wilson” para o seu filho? Não é nome para criança, é nome de adulto, não é mesmo?
     Nada resolve sua questão.
     Pois afinal... qual vai ser o nome do bebê?

PS: Nasceu, o nome é Ormenzindo

terça-feira, 19 de abril de 2016

Três da Manhã

Três da Manhã 

     Aquele momento, as três da manhã, que você acorda lembrando de uma palavra que queria ter dito em uma conversa as quatro horas da tarde.
     Está em um sono tranquilo, e de repente acorda gritando: “MISANTROPIA!!” Depois se encolhe e faz silêncio, com medo de ter acordado alguém. Percebe que não acordou a ninguém, então senta e se põe a pensar. “Misantropia! Lembrei!”
     “Mas... em que contexto eu queria usar essa palavra mesmo?” Você não lembra. “Discussão da aula?” não.“Aconselhando um amigo que levou um fora?” também não. “Explicando um filme que vai entrar em cartaz?” Hm... acho que não.
    Então começa a pensar com quem estava. A Ritinha? Túlio?? Pedro? Ju? Maria? Felipe? Sofia? O Ro? Lulu? Não sabe. Será que foi com seu irmão? Ou sua prima?
     Afinal... o que significa “misantropia” mesmo?
     No fim, você acaba cansando. Deita, vira para o outro lado, e tenta voltar a dormir.
     Mas seus sonhos são todos perturbados pela tal palavra, “misantropia”.

Ingenuidade de Criança

Ingenuidade de Criança

     Vi um menino na rua. Ele deveria ser um pouco mais velho que eu. Uns 7 anos talvez. Não sei.
Era bem magro, e tinha a pele morena e meio suja de preto em alguns lugares, como poeira, ou algo do tipo. Usava uma camiseta branca amassada e manchada em vários lugares, e bermuda azul com um rasgo no joelho, e desgastada nas barras.
     Quando o sinal ficou vermelho e a mamãe teve que parar o carro, o menino foi lá na frente e ficou fazendo malabarismo com 4 bolas de tênis. Me inclinei para o banco da frente pra ver ele melhor. Era muito legal! As vezes ele fazia a bola ir no pescoço dele, e ai ela quicava, e ele pegava de novo, não derrubou uma só bola uma única vez.
     Perguntei pra mamãe quem era esse menino, e se ele podia me ensinar a fazer isso um outro dia, ou até hoje mais tarde, quando eu voltasse da escola. Ela falou que achava que não daria, e que provavelmente eu não iria mais ver esse menino de novo. Perguntei então se ela não podia pegar o telefone da casa dele com a mãe dele, que nem faz com os meus amigos na escola, mas ela falou que não, e perguntou se eu estava vendo a mãe dele em algum lugar.
     Comecei a olhar em volta, e reparei que não mesmo. Onde a mãe do menino estava? Fiquei procurando, e levei um susto quando o menino apareceu na janela aberta da mamãe. Ela deu umas moedas pra ele, e perguntou se eu tinha algum biscoito. Fiz que sim com a cabeça e peguei o mais rápido que pude um pacotinho de biscoito de chocolate na minha lancheira. “Mas tá meio amassado...” falei me debruçando por traz do banco da mamãe pra dar para o menino. Ele disse que não tinha importância, e “Deus te abençoe” antes de sair da janela.
     O sinal abriu, e voltei a sentar no banco. Abri a janela de trás e gritei pra ele “queria que você me ensinasse a fazer isso depois!! Foi muito legal!!” Mas acho que ele não ouviu. Já estava comendo o biscoito de chocolate que tinha dado pra ele, e deu um pedaço para uma menina mais alta que ele. Então mamãe fez uma curva, e não consegui mais ver os dois.
     Fiquei meio triste, nem consegui falar com ele direito. Perguntei pra mamãe por que ela tinha dado moedas pra ele, e se ele trabalhava em algum circo. Ela disse que as moedas foram para agradecer a ele por fazer malabarismo pra gente, mas que provavelmente ele não trabalhava em nenhum circo. “Que pena” falei “eu queria levar meus amigos para ver ele, e aí ele podia ensinar para todos nós. Mas aquela coisa do pescoço só para mim, por que eu sou o melhor amigo dele”.
     Perguntei pra mamãe o que ele quis dizer com “Deus te abençoe” e ela falou que ele estava agradecendo pelo biscoito e pelas moedas, e que ele desejava que Deus tornasse nossa vida boa. “Mas a nossa vida já é boa” disse “bem, então ele desejou com bastante força” mamãe falou.
     Então a gente chegou na escola. Mamãe estacionou o carro, e eu peguei minha mochila e a lancheira. Dei um beijo na bochecha dela e falei “depois ele me ensina a fazer aquele malabarismo legal!!” e fui correndo para o portão da escola.

     Ingênuo eu era, não? Isso já faz 10 anos, e nunca mais eu vi aquele menino. Nem aprendi a fazer malabarismo daquele jeito.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Campos ou Almeida?

Campos ou Almeida?


     O lugar exato, com nome, número, coordenada, não importa. Foi em um hospital. Um hospital normal, as paredes brancas, e várias portas, com plaquinhas escritas em preto coisas como “Copa”, “Raio-X”, “Repouso de Anestesia”, “Eletrocardiograma”, “Sala de Parto”, e “Maternidade”.
     “Sala de Parto”. Foi onde Pricila de Almeida, com 38 anos, deu à luz a esse menino. Nicolas nasceu às 20h57, por trás da porta branca com uma plaquinha escrita em preto “Sala de Parto”. O menino, de 48 centímetros, o rosto todo vermelho do choro e as pernas esperneando saiu para o mundo com os olhos fechados. “Repouso”. Foi onde Pricila de Almeida foi deixada, quando a enfermeira levou o menininho para o berço da “Maternidade”.
     “Sala de Parto”. Foi onde Fátima Campos, com 36 anos, deu à luz a um outro menino. Rafael nasceu às 21h01, por trás da porta branca com uma plaquinha escrita em preto “Sala de Parto”. O menino, de 50 centímetros, as bochechas vermelhas do choro, as pernas esperneando e os braços agitados no ar, saiu para o mundo de olhos abertos. “Repouso”. Foi onde Fátima Campos foi deixada, quando a enfermeira levou o menininho para o berço da “Maternidade”.
     “Maternidade”. Foi onde a enfermeira colocou a pulseirinha de papel escrita “Pricila de Almeida” em Rafael, e a escrita “Fátima Campos” em Nicolas – pulseiras trocadas.
     Assim, quando as mães receberam os filhos nos braços, receberam o filho da outra. Pricila de Almeida estranhou o menino, Rafael. A pele do seu filho era mais clarinha, e os olhos mais escuros. “Esse não é meu filho” era tudo o que ela pensava, e se culpava por isso, mas pediu para a enfermeira ver se não havia algum engano. Fátima recebeu Nicolas aos braços e não estranhou nada, não percebeu nenhuma diferença – era seu filho.
     Por isso, quando o hospital entrou em contato, dois anos depois, com a notícia que havia tido um engano (Pricila estava certa. Aquele não era seu filho), não acreditou, e não acreditaria até fazer um teste de DNA.
     Papeis pra lá, assinaturas pra cá... foi feito o tal teste. Com as duas mães, e as duas crianças. Fátima então, cinco dias depois, quando os resultados saíram, ficou espantasíssima com a nova criança colocada em seus braços – seu filho biológico.
     Pricíla foi com Nicolas, que fora chamado de Rafael até agora para casa, e Fátima com Rafael, chamado de Nicolas.
     Pricíla queria ver o outro menino que se apegara tanto, mas não abriria mão de jeito nenhum de seu filho biológico. Fátima não conseguia se acostumar com a ideia de aquele garoto ser seu filho, e o menino não aceitava a estranha também.
    Mais papéis para lá... mais assinaturas pra cá... o martelo bateu, e Pricila ficaria com os dois garotos.
     Hoje, 8 anos depois, Rafael Campos, que veio para o mundo de olhos abertos, e fora dois anos chamado de Nicolas de Almeida, e Nicolas de Almeida, que veio para o mundo de olhos fechados, e fora dois anos chamado de Rafael Campos, moram com Pricila de Almeida em uma casinha aconchegante em uma rua ali do centro, os dois carregando o sobrenome “de Almeida”
     “São os irmãos mais inseparáveis que já vi” diz a mãe, Pricila de Almeida.

terça-feira, 12 de abril de 2016

Caçula

Caçula

     Quando você está a ponto de chorar em um "almoço em família", e quer ir para o quarto desesperadamente, mas não pode, e ele é o único que repara, e diz "vem me ajudar um pouco no meu quarto", te livrando daquele desespero, e dando colo, deitados na cama dele, enquanto você chora.
     Quando você rala o joelho, chora, berra, chora, grita e chora.. e nada para te fazer parar de chorar, e te distrair do machucado, e ele vem, e põe e tira a palma da mão da sua boca aberta, fazendo você rir por causa do barulho que seu próprio choro está fazendo.
     Quando vocês brigam, e você joga um brinquedo na cabeça dele. 
     Quando ele aprende a fazer uma aro de bexigas só para seu aniversário.
     Quando briga por que você está demorando muito para se arrumar.
     Quando você não consegue dormir, e ele, que é o único acordado da casa, vai para sua cama, e e conta mil histórias até você pegar no sono.
     Quando você completa seus 13 anos, e ele vai com você para a Galeria do Rock, só por que você está louco por aquele moletom do Batman, e diz que se você quiser, poderia colocar um alargador, (desde que não fosse muito grande) e fazer uns dreads, que explicaria para sua mãe depois, não tem problema.
     Quando você ganha patins de natal e não tem ideia de como se anda naquilo, e ele fica o dia inteiro te ensinando, e te guiando, até que depois de várias raladas, cortes, choros, no fim do dia você consegue dar uma volta inteira no quintal sem cair, e ele faz aquele brigadeiro de panela que você ama para "comemorar"
     Quando você pede para jogar xadrez, mas não lembra dos movimentos das peças, e em nenhum momento ele reclama em te falar pela quinta vez naquela semana.
     Quando você está dormindo, é seu aniversário, e ele te acorda as 7h da manhã e te faz levantar para tomar café.
     Quando você está desamparado no meio da multidão, e ele chega e te abraça por trás, dando o conforto exato que você precisava, e naquele momento, parece que só existem vocês no mundo.
     Quando você, com 5 anos, acorda as 6h da manhã na páscoa para procurar os ovos, e ele levanta com você sem reclamar, e até brinca, te faz cócegas, e ajuda à achar todos os ovos escondidos.
     Quando vocês vão dormir na sala, e seu pai acabou de dizer "sem filmes de terror, seu irmão é muito novo", e ele coloca um para vocês assistirem, e na hora em que vão dormir, ele te abraça forte, mas não é você quem está com medo.
     Quando você não sabe como faz aquela lição de matemática, e ele te explica, e mostra outras milhares de coisas, sobre tudo, e aquela simples lição vira algo muito maior.
     Quando ele está presente quase todos os dias, todas as horas...
     E quando ele está se afastando, e quase não para em casa.
     Quando vem com a namorada, e não quer que você entre no quarto, que antes você entrava sem bater.
     Quando precisa estudar para as provas da faculdade e não tem tempo para jogar jogos de tabuleiro com você.
     Quando passa na faculdade em outro país, e fica longe todo o ano.
     Quando se casa e vai morar em outra cidade.
     Quando se você o vê uma vez por mês já é muita coisa.
     Quando você não tem mais com quem procurar ovos de páscoa, jogar xadrez, ir para a Galeria do Rock fazer dreads, ver filmes de terror, chorar...
      E ele vem certo dia, e te abraça forte, dizendo que por mais distante que esteja, ele sempre será seu irmão mais velho. Nas brigas em que você jogou um cbrinqueo na cabeça dele, ou nas vezes que conversaram sobre mil outros assuntos em uma lição de matemática.
     E no dia seguinte... ele não está mais lá, teve que ir para a faculdade, ou para casa, ou qualquer outro lugar.
     Não importa religião. Casa. Sangue. Pais diferentes. É o seu irmão mais velho. E por mais distante que esteja, sempre vai ser.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Primeiro Domingo de Abril

Primeiro Domingo de Abril


     Primeiro Domingo de Abril. Precisa-se falar data exata? Acho que não né? Não. Ótimo.
São Paulo. A cidade. Que fica no estado com o mesmo nome. Que fica no país Brasil. Que fica no Continente Americano. Que fica no Oceano Atlântico e no Pacífico. Que fica no Planeta Terra; não na Lua. Nem em Marte. Mas quem sabe? Talvez exista São Paulo, cidade e estado, Brasil, América, Oceano Atlântico, Pacífico, em Marte também. Ou talvez Plutão? Netuno? Não sei. Ok; já tem informação demais, mas vou dar mais uma: Sesc Pompeia.
     Primeiro Domingo de Abril. Sesc Pompeia. Foi onde estava essa família estrangeira.
     Para quem não sabe, “estrangeiro” quer dizer “de outro lugar”. No caso, o lugar tem o nome de Noruega, mas já foi um lugar que era junto com outros, e era algo muito maior, de outro nome que não convêm no momento.
     Família composta por um padrasto, uma mãe, e duas filhas. Seus nomes, na mesma ordem: Hagar, (como “O Terrível”), Marga, Maria Helena (a mais velha), e Rafaela (a mais nova).
     O por que deles estarem naquele lugar, é claro: a mãe de Maria Helena e Rafaela arranjou um pequeno trabalho em sua área profissional (fotografia), sobre “pontos turísticos da cidade de São Paulo”, para uma revista. O por que dela arranjar esse trabalho também é claro: a família norueguesa havia se mudado para São Paulo havia apenas um mês, e tanto Hagar quanto Marga estavam desempregados, e precisavam de dinheiro para por as filhas em escolas boas, continuar a alimentá-las, acabar de pagar o aluguel da casa... enfim: coisas simples do dia a dia.
     Hagar não havia conseguido um trabalho, e por não concordar em apenas ficar em casa, sem fazer nada, estava ajudando a mulher. Por isso, com os dois fora, não tinha quem ficar com Maria Helena e Rafaela, e as duas meninas tinham que ir junto com a mãe e o padrasto.
     Antes de continuar a história sobre o primeiro Domingo de Abril, Sesc Pompeia, vou falar sobre onde a família estrangeira estava morando, e ainda está, até hoje. Tudo bem? Tudo né? Sim. Ótimo.
     Marga e Hagar alugaram uma pequena casa em uma rua sem saída, onde havia mais 7 outras moradias, quase todas com crianças. Alugaram a casa azul de número 7, com uma varanda no andar de cima. Na rua, havia Pedrinho, na casa amarela de número 1. Ele tinha 10 anos, era alto, pálido e magrelo, com o nariz arrebitado. Na casa verde de número 2, havia Joana. Ela tinha 8 anos, era baixinha, e usava sempre Maria-chiquinhas. Na casa laranja, de número 3, havia Paulo e Marco. Eles tinham 9 anos, igual à Maria Helena. Os gêmeos eram baixinhos, e tinham os cabelos ruivos bagunçados, e sardas no nariz. E vou parar por aí, que vai ser tanta criança, idade, casa, cor, número, que vai dar dor de cabeça.
     A última casa era branca, de número 8. A única sem criança, onde morava o “velho Eustácio”, como as crianças o chamavam, mas não se sabe se era esse mesmo o nome dele. “Velho Eustácio” tinha 68 anos, era rabugento, e não gostava de crianças. Tinha um cachorro chamado Rajá, que era branco, grande, e cheio de pelos – Rafaela se apaixonou por ele, e como não podia ir à casa do velho, ficava observando o cão do outro lado da rua.
     Maria Helena logo se enturmou com as outras 10 crianças que moravam nas casas, e saia para brincar na rua. Jogavam amarelinha, batiam corda, brincavam de pega-pega, cabra-cega, esconde-esconde, reloginho, rio vermelho, e tantas outras brincadeiras que não irei nomear. Maria Helena era a mais tímida das 12, mas ajudava os meninos a aprontarem. Pulavam o muro do Velho Eustácio, jogavam pedras para o outro lado do muro no fim da rua, e tocavam a campainha de algum vizinho, depois saiam correndo para se esconderem.
     Ok, agora, continuando:
     Primeiro Domingo de Abril, Sesc Pompeia.
     Maria Helena ia andando mais a frente da família, o rabo de cavalo balançando na cabeça, as mãos segurando os suspensórios do seu macacão verde, e fazendo barulho com os chinelos vermelhos grandes de mais para o seu pé. Ia observando tudo curiosa: o gato listrado em cima do muro, as plantas nas paredes, as crianças se pendurando no balcão da lanchonete.
     Rafaela ia atrás, as duas mãos dadas à mãe e ao padrasto. A menina ia balançando a cabeça, com uma melodia de abertura de algum desenho animado que viu na TV em sua mente, em seu próprio mundo. O vestidinho azul pinicava ela, toda hora, soltava a mão de Hagar para coçar a perna, e tirar o cabelo da nuca, que suava.
     Não se podia ler a expressão de Hagar, que usava óculos escuros, mas ele franzia a testa o tempo todo, olhando para o lado, e de vez em quando tirava uma foto ou outra. O andar era despreocupado, e a camiseta branca estava manchada de vermelho na altura do peito.
     Marga andava despreocupada, mas com as costas rígidas, e apertava os olhos por causa da luz. O salto fazia barulho no paralelepípedo, e a camisa estava desconfortável para aquele dia quente.
     Assim que entraram no Sesc, Maria Helena saiu correndo, e Hagar gritou (em norueguês, pois ainda não sabia português muito bem) para ela voltar. A menina voltou de cabeça baixa, contrariada, mexendo em sua pulseira verde de borracha no punho direito.
     Marga soltou a mão de Rafaela, que nem percebeu, e apenas continuou balançando a cabeça, e coçando a perna as vezes. A mãe continuou andando mais devagar, as vezes ajoelhava, ficava na ponta dos pés ou subia em um muro para tirar as fotos para a revista, as vezes com a ajuda de Hagar, as vezes não.
     Maria Helena, quando percebeu que a mãe e o padrasto estavam distraídos o bastante, saiu correndo para o meio de todos aqueles desconhecidos, e das palavras estranhas, para explorar o lugar.
Rafaela continuava lá, balançando a cabeça, seguindo os pais no piloto automático, e começava a tropeçar as vezes pela falta de atenção.
     Maria Helena achou uma biblioteca, e tentou entrar na parte com mais livros, mas foi barrada. Precisava de um “documento” para entrar, e não tinha esse tal “documento”, o que quer que isso quisesse dizer.
     Então, a menina subiu as escadas para um lugar onde havia cadeiras e mesas, onde algumas pessoas estavam sentadas. Umas lendo, outras escrevendo, algumas jogando xadrez, e um homem no canto dormindo.
     Foi seguindo, até onde a escada descia. Descobriu que estava atrás da biblioteca, da parte que tinha mais livros. Era protegida por um vidro, que Maria Helena não percebeu, então deu de cara nele. Ignorou o nariz que sangrava um pouco, e o vermelho na testa que com certeza seria um galo mais tarde, e se espremeu por baixo para passar.
     Por fim, entrou na biblioteca, e achou um livro de ilustrações. Mesmo já sabendo ler muito bem em sua língua, e lia livros de 100, 200, ou até 400 páginas, sem ilustração nenhuma, como “Harry Potter”, ou “A Espada na Pedra”, se pegou fortemente interessada por aquele livro.
     Sua capa era laranja, e tinha o retrato de uma menina muito parecida com ela. Maria Helena tentou ler o título do livro, mas não conseguiu. Foi folheando as páginas, sem saber a maioria das palavras, só olhando as imagens. A menina, conseguiu saber, se chamava Maria Antonieta. Era igualzinha a ela, dos pés à cabeça.
     Maria Helena acabou de “ler” o livro; a última imagem era da menina jantando com a irmãzinha, a mãe, e o pai.
     Saiu da biblioteca pela entrada mesmo, e o homem que tinha barrado ela antes apenas a olhou confuso, mas a menina foi andado, e ele a deixou ir, então Maria Helena nem percebeu seu espanto.
     Achou os pais e Rafaela em outro canto do Sesc, onde tinham umas camisetas sendo vendidas. Pediu para a mãe comprar uma azul para ela, que nem a da menina do livro. Rafaela estava sentada em um banco de madeira, ainda balançando a cabeça.
     Maria Helena foi até a irmãzinha, e abraçou seu ombro, assim como a menina no livro fazia.
     Rafaela olhou para a irmã, e deitou em seu colo. Fechou os olhos, e dormiu.
     A menina olhava para os lados curiosa prestando atenção em tudo, mas deixou a irmã dormindo em seu colo. Olhava a mãe tirando a foto de um balcão cheio de lápis, Hagar lendo um folheto, o gato listrado que subia as escadas, o passarinho que havia feito um ninho em uma árvore ali ao lado.
Já havia fotos o suficiente, e Marga chamou Maria Helena, que acordou Rafaela. Eles iam voltar para casa.
     Primeiro Domingo de Abril, casa azul de número 7. Foi onde a família norueguesa jantou, à mesa, que nem a família do livro.