sexta-feira, 8 de abril de 2016

Primeiro Domingo de Abril

Primeiro Domingo de Abril


     Primeiro Domingo de Abril. Precisa-se falar data exata? Acho que não né? Não. Ótimo.
São Paulo. A cidade. Que fica no estado com o mesmo nome. Que fica no país Brasil. Que fica no Continente Americano. Que fica no Oceano Atlântico e no Pacífico. Que fica no Planeta Terra; não na Lua. Nem em Marte. Mas quem sabe? Talvez exista São Paulo, cidade e estado, Brasil, América, Oceano Atlântico, Pacífico, em Marte também. Ou talvez Plutão? Netuno? Não sei. Ok; já tem informação demais, mas vou dar mais uma: Sesc Pompeia.
     Primeiro Domingo de Abril. Sesc Pompeia. Foi onde estava essa família estrangeira.
     Para quem não sabe, “estrangeiro” quer dizer “de outro lugar”. No caso, o lugar tem o nome de Noruega, mas já foi um lugar que era junto com outros, e era algo muito maior, de outro nome que não convêm no momento.
     Família composta por um padrasto, uma mãe, e duas filhas. Seus nomes, na mesma ordem: Hagar, (como “O Terrível”), Marga, Maria Helena (a mais velha), e Rafaela (a mais nova).
     O por que deles estarem naquele lugar, é claro: a mãe de Maria Helena e Rafaela arranjou um pequeno trabalho em sua área profissional (fotografia), sobre “pontos turísticos da cidade de São Paulo”, para uma revista. O por que dela arranjar esse trabalho também é claro: a família norueguesa havia se mudado para São Paulo havia apenas um mês, e tanto Hagar quanto Marga estavam desempregados, e precisavam de dinheiro para por as filhas em escolas boas, continuar a alimentá-las, acabar de pagar o aluguel da casa... enfim: coisas simples do dia a dia.
     Hagar não havia conseguido um trabalho, e por não concordar em apenas ficar em casa, sem fazer nada, estava ajudando a mulher. Por isso, com os dois fora, não tinha quem ficar com Maria Helena e Rafaela, e as duas meninas tinham que ir junto com a mãe e o padrasto.
     Antes de continuar a história sobre o primeiro Domingo de Abril, Sesc Pompeia, vou falar sobre onde a família estrangeira estava morando, e ainda está, até hoje. Tudo bem? Tudo né? Sim. Ótimo.
     Marga e Hagar alugaram uma pequena casa em uma rua sem saída, onde havia mais 7 outras moradias, quase todas com crianças. Alugaram a casa azul de número 7, com uma varanda no andar de cima. Na rua, havia Pedrinho, na casa amarela de número 1. Ele tinha 10 anos, era alto, pálido e magrelo, com o nariz arrebitado. Na casa verde de número 2, havia Joana. Ela tinha 8 anos, era baixinha, e usava sempre Maria-chiquinhas. Na casa laranja, de número 3, havia Paulo e Marco. Eles tinham 9 anos, igual à Maria Helena. Os gêmeos eram baixinhos, e tinham os cabelos ruivos bagunçados, e sardas no nariz. E vou parar por aí, que vai ser tanta criança, idade, casa, cor, número, que vai dar dor de cabeça.
     A última casa era branca, de número 8. A única sem criança, onde morava o “velho Eustácio”, como as crianças o chamavam, mas não se sabe se era esse mesmo o nome dele. “Velho Eustácio” tinha 68 anos, era rabugento, e não gostava de crianças. Tinha um cachorro chamado Rajá, que era branco, grande, e cheio de pelos – Rafaela se apaixonou por ele, e como não podia ir à casa do velho, ficava observando o cão do outro lado da rua.
     Maria Helena logo se enturmou com as outras 10 crianças que moravam nas casas, e saia para brincar na rua. Jogavam amarelinha, batiam corda, brincavam de pega-pega, cabra-cega, esconde-esconde, reloginho, rio vermelho, e tantas outras brincadeiras que não irei nomear. Maria Helena era a mais tímida das 12, mas ajudava os meninos a aprontarem. Pulavam o muro do Velho Eustácio, jogavam pedras para o outro lado do muro no fim da rua, e tocavam a campainha de algum vizinho, depois saiam correndo para se esconderem.
     Ok, agora, continuando:
     Primeiro Domingo de Abril, Sesc Pompeia.
     Maria Helena ia andando mais a frente da família, o rabo de cavalo balançando na cabeça, as mãos segurando os suspensórios do seu macacão verde, e fazendo barulho com os chinelos vermelhos grandes de mais para o seu pé. Ia observando tudo curiosa: o gato listrado em cima do muro, as plantas nas paredes, as crianças se pendurando no balcão da lanchonete.
     Rafaela ia atrás, as duas mãos dadas à mãe e ao padrasto. A menina ia balançando a cabeça, com uma melodia de abertura de algum desenho animado que viu na TV em sua mente, em seu próprio mundo. O vestidinho azul pinicava ela, toda hora, soltava a mão de Hagar para coçar a perna, e tirar o cabelo da nuca, que suava.
     Não se podia ler a expressão de Hagar, que usava óculos escuros, mas ele franzia a testa o tempo todo, olhando para o lado, e de vez em quando tirava uma foto ou outra. O andar era despreocupado, e a camiseta branca estava manchada de vermelho na altura do peito.
     Marga andava despreocupada, mas com as costas rígidas, e apertava os olhos por causa da luz. O salto fazia barulho no paralelepípedo, e a camisa estava desconfortável para aquele dia quente.
     Assim que entraram no Sesc, Maria Helena saiu correndo, e Hagar gritou (em norueguês, pois ainda não sabia português muito bem) para ela voltar. A menina voltou de cabeça baixa, contrariada, mexendo em sua pulseira verde de borracha no punho direito.
     Marga soltou a mão de Rafaela, que nem percebeu, e apenas continuou balançando a cabeça, e coçando a perna as vezes. A mãe continuou andando mais devagar, as vezes ajoelhava, ficava na ponta dos pés ou subia em um muro para tirar as fotos para a revista, as vezes com a ajuda de Hagar, as vezes não.
     Maria Helena, quando percebeu que a mãe e o padrasto estavam distraídos o bastante, saiu correndo para o meio de todos aqueles desconhecidos, e das palavras estranhas, para explorar o lugar.
Rafaela continuava lá, balançando a cabeça, seguindo os pais no piloto automático, e começava a tropeçar as vezes pela falta de atenção.
     Maria Helena achou uma biblioteca, e tentou entrar na parte com mais livros, mas foi barrada. Precisava de um “documento” para entrar, e não tinha esse tal “documento”, o que quer que isso quisesse dizer.
     Então, a menina subiu as escadas para um lugar onde havia cadeiras e mesas, onde algumas pessoas estavam sentadas. Umas lendo, outras escrevendo, algumas jogando xadrez, e um homem no canto dormindo.
     Foi seguindo, até onde a escada descia. Descobriu que estava atrás da biblioteca, da parte que tinha mais livros. Era protegida por um vidro, que Maria Helena não percebeu, então deu de cara nele. Ignorou o nariz que sangrava um pouco, e o vermelho na testa que com certeza seria um galo mais tarde, e se espremeu por baixo para passar.
     Por fim, entrou na biblioteca, e achou um livro de ilustrações. Mesmo já sabendo ler muito bem em sua língua, e lia livros de 100, 200, ou até 400 páginas, sem ilustração nenhuma, como “Harry Potter”, ou “A Espada na Pedra”, se pegou fortemente interessada por aquele livro.
     Sua capa era laranja, e tinha o retrato de uma menina muito parecida com ela. Maria Helena tentou ler o título do livro, mas não conseguiu. Foi folheando as páginas, sem saber a maioria das palavras, só olhando as imagens. A menina, conseguiu saber, se chamava Maria Antonieta. Era igualzinha a ela, dos pés à cabeça.
     Maria Helena acabou de “ler” o livro; a última imagem era da menina jantando com a irmãzinha, a mãe, e o pai.
     Saiu da biblioteca pela entrada mesmo, e o homem que tinha barrado ela antes apenas a olhou confuso, mas a menina foi andado, e ele a deixou ir, então Maria Helena nem percebeu seu espanto.
     Achou os pais e Rafaela em outro canto do Sesc, onde tinham umas camisetas sendo vendidas. Pediu para a mãe comprar uma azul para ela, que nem a da menina do livro. Rafaela estava sentada em um banco de madeira, ainda balançando a cabeça.
     Maria Helena foi até a irmãzinha, e abraçou seu ombro, assim como a menina no livro fazia.
     Rafaela olhou para a irmã, e deitou em seu colo. Fechou os olhos, e dormiu.
     A menina olhava para os lados curiosa prestando atenção em tudo, mas deixou a irmã dormindo em seu colo. Olhava a mãe tirando a foto de um balcão cheio de lápis, Hagar lendo um folheto, o gato listrado que subia as escadas, o passarinho que havia feito um ninho em uma árvore ali ao lado.
Já havia fotos o suficiente, e Marga chamou Maria Helena, que acordou Rafaela. Eles iam voltar para casa.
     Primeiro Domingo de Abril, casa azul de número 7. Foi onde a família norueguesa jantou, à mesa, que nem a família do livro.

Um comentário:

  1. achei a crônica boa, bem desenvolvida, as minhas crônicas são masi curtas(você sabe) mas achei um pouco comprida de mais, meio repetitiva. bom uso de virgulas e imagens; gostei do desfecho (ultimo parágrafo)

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